Outro combustível para as manifestações pode ser a decepção do povo com os representantes políticos eleitos em 2018 para administrar o país, sobretudo o presidente Bolsonaro. O brasileiro ansiava por mudanças ao escolher o capitão reformado do Exército como chefe do Palácio do Planalto. No entanto, como as expectativas não foram atendidas, parte do seu eleitorado perdeu a esperança. “O presidente tem recebido duras críticas acerca da condução do país durante a crise. Dentre elas, destacam-se justamente a falta de habilidade política, a criação de dissenso sobre questões sensíveis à saúde e a inabilidade em se comunicar com a população. Soma-se a isso a forma drástica de saída dos ministros Luiz Henrique Mandetta, Sergio Moro e Nelson Teich do governo e os fatos envolvidos” diz o advogado e especialista em direito público Rodrigo Veiga.
Ele também destaca que “o povo, ao entregar seu voto ao governante, espera que ele acerte e conduza o país da melhor forma, não importando a situação” e que “se políticas públicas efetivas não forem adotadas, a chance de insatisfação popular certamente será aumentada e manifestações contrárias ao governo poderão ganhar amplitude”. Dessa forma, fatalmente a conta do Brasil pós-pandemia cairá no colo de Bolsonaro, e a população poderá sair às ruas mesmo que a covid-19 não seja completamente erradicada do país.
“Tão certa quanto os reflexos da pandemia é a insatisfação de um povo que se sente desamparado. Os cidadãos têm compreensão quanto à necessidade de suportar certo grau de sofrimento. Contudo, a partir do momento que a compreensão das perdas deixar de refletir efeito direto da pandemia e passar a demonstrar inabilidade do governo em contornar a situação, não será o risco à saúde que impedirá o povo de buscar ser ouvido mediante manifestações populares intensas”, destaca Veiga.
Mais divisão
Além da possibilidade de mais manifestações, o Brasil pode ver uma polarização ainda maior entre a população, o que pode ser um risco. “Além do vírus, que se tornou inimigo, temos um outro inimigo que é a divisão estrutural da população, o que se torna mais grave para a construção de uma sociedade mais justa, solidária, equilibrada e estruturada. Se nós rompermos com a democracia, que é o ápice da qualidade de vida, geramos desequilíbrio para todos”, opina o filósofo Marcelo Veronez.
“A reivindicação de direitos vai surgir de forma muito forte. O que estamos vendo é que a pandemia está revelando que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e tem complicações muito sérias. Uma vez que a população sentir com profundidade a carência desses direitos, acredito que os protestos devem surgir em uma situação de pós-pandemia, ainda que haja um desequilíbrio sanitário”, acrescenta o doutor em direito constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Alexandre Bernardino.
(Correio Braziliense)