Carlos Newton
O inglês John Donne (1572–1631) foi um dos mais interessantes, inquietantes e intrigantes pensadores da Idade Média. Na juventude, era muito animado e dedicava-se a poesias amorosas e sátiras, mas na maturidade tornou-se pastor anglicano. Passou então a escrever pensamentos e sermões religiosos, tendo vivido na pobreza por muitos anos, até a morte. De sua primorosa obra, pelo menos uma reflexão ficará para sempre na História da Humanidade, como marco de sua visão humanística.
“Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti” – escreveu o genial Donne, em sua fase religiosa.
MOMENTO BOLSONARO – Lembrei esse pensamento de Donne ao ler uma oportuna análise de Tânia Monteiro e Felipe Frazão, no Estadão, sobre as dificuldades de entrosamento do presidente Jair Bolsonaro com os ministros do núcleo duro do governo, hoje formado por três generais e um major da PM do Distrito Federal, sem contar o porta-voz e o vice-presidente, que também são generais e habitam o Planalto.
O fato preocupante é que o presidente da República vive numa espécie de isolamento forçado, porque até mesmo os ministros-militares passaram a evitar conversas francas com o “capitão”.
Dizem os jornalistas do Estadão que, no manual de sobrevivência do poder, é risco máximo apontar exageros nas teorias de conspiração que entram no Palácio do Planalto. Por isso, todos se calaram quando o presidente começou a escrever, em conversas num grupo de WhatsApp, que a China tinha interesses na pandemia por razões comerciais.
FALTA UM AMIGO – Outro fato concreto é que ninguém tem coragem de falar abertamente com Bolsonaro, indicar deslizes em seu comportamento público e enxergar futuros problemas políticos.
Tânia Monteiro e Felipe Frazão explicam que “a dificuldade dos amigos em abrir o jogo com o presidente costuma esbarrar na questão da crença”, acrescentando que Bolsonaro já deixou claro que sua “missão divina” o protege da solidão comum dos governantes.
Realmente, desde o início do governo, Bolsonaro tem se definido como “um enviado de Deus”. E quem se considera assim não deve ter motivos para ouvir a opinião alheia, o que até explica o comportamento omisso dos generais do Planalto.
NÃO É UMA ILHA – Se tivesse mais discernimento, Bolsonaro saberia que nenhum homem é uma ilha, por mais capacitado e admirado que ele seja, como ensinava John Donne. Aliás, no caso dos líderes políticos, se não forem bem assessorados por conselheiros de altíssimo nível, nenhum governante jamais terá futuro grandioso.
É triste saber que os ministros-generais nem tentam mais aconselhar Bolsonaro. Não é preciso ser superdotado para constatar que, sem ter conselheiros que o auxiliem, o capitão Jair Bolsonaro não demonstra capacidade intelectual nem equilíbrio emocional para exercer o cargo de presidente da República, especialmente numa fase de crise como a do coronavírus.
Se Bolsonaro fizesse como o genial Ernest Hemingway e perguntasse por quem os sinos dobram, poderíamos fazer como John Donne e responder: “Eles dobram por ti”.
PS – O isolamento do presidente da República é o maior problema do país, bem mais grave do que o coronavírus, porque já se vislumbra solução para a pandemia, porém, quanto a Bolsonaro e os filhos, parecem mesmo ser um caso perdido. (C.N.)
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