Opinião

A Era da Mentira Digital

Mentira digital não tem perna curta. Imagens, vídeos e documentos podem ser falsificados de tal forma que a verdade fique sufocada tempo suficiente para nem ser mais considerada como hipótese válida. 
O uso da ironia “viralizou” e falar das coisas como elas eram não tem mais sentido no ambiente público digital que chamamos genericamente de redes sociais. Como uma postagem pode ser verdadeira se não tem nenhuma curtida, ninguém comentou nem para atacar ou apoiar? Nessa nuvem de dados com centenas de plataformas as informações são publicadas anonimamente, porque contrariando o princípio constitucional do Estado de Direito brasileiro, não é preciso se identificar como cidadão para entrar no debate público promovido em tempo real no Twitter, Facebook, Instagram, Youtube, ou outros menos conhecidos. 
A liberdade de expressão não é absoluta nas regras previstas na nossa Carta Magna de 1988, devendo se sujeitar ao impedimento do anonimato, bem como punir eventuais ofensores das regras civilizatórias a pagarem o preço de injúrias e difamações. Legislar sobre o funcionamento da Internet é um imperativo do Congresso Nacional, mas não para censurar os debates nas redes sociais e sim para responsabilizar aqueles que cometerem abusos.
Não é possível impedir  que uma notícia falsa se torne conhecida do público, porque para fazer isso seria necessário submeter todas as publicações a filtros que necessariamente implicariam em cerceamento da liberdade de expressão. Mas é perfeitamente constitucional impor as plataformas de comunicação em rede pela internet que identifiquem civilmente seus usuários, inclusive impedindo que crianças adolescentes tenham acesso a determinados conteúdos, por serem inimputáveis criminalmente. 
Não há como impedir que notícias falsas redirecionem as intenções de voto, transformando azarões excluídos do ambiente político e comunitário em funcionários públicos imbuídos de mandato eletivo. Mas ao identificar os responsáveis pela criação do material de comunicação que dissemina notícia falsa é possível responsabilizar criminalmente as fontes propagadoras de mensagens automáticas, massificadas e direcionadas por mineração de público, que visam destruir reputações e criar narrativas em série visando promover visões equivocadas da realidade. 
Na prática a legislação brasileira precisaria obrigar o Facebook a recadastrar todos os usuários que acessarem a plataforma dentro do território nacional, identificando-os civilmente, além de criar uma regra para que novos usuários sejam submetidos a um cadastro que exija a comprovação da identidade civil dos inscritos. Nesse novo ambiente de redes sociais será possível fazer qualquer coisa com toda a liberdade, mas usuários estarão sempre sujeitos a serem responsabilizados pelo abuso da liberdade de expressão, como ocorre por exemplo, quando alguém vai até um canal de televisão e faz um discurso de ódio ou apologia ao crime. Sem uma legislação que obrigue a identificação civil dos usuários, as plataformas continuarão a ser o que são, terra de ninguém, onde é possível inclusive criar “tsunamis digitais” para destruir reputações com o uso de robôs, como fazem os grupos militantes que apoiam partidos políticos e líderes populistas. 
As democracias do mundo todo estão ameaçadas pela guerra de informação que disputa a posse da verdade dos fatos. Hoje é perfeitamente possível criar um vídeo com um adversário cometendo um crime e distribuí-lo anonimamente nas redes sociais de forma viral, atribuindo-lhe valor pela quantidade de adesões automáticas e robotizadas a ideologia política que se pretende combater ou defender. Numa eleição que ocorre oficialmente em 90 dias é totalmente viável desenvolver diversos conteúdos multimídia temáticos direcionados para inflamar a ira de segmentos da sociedade particularmente incapazes de distinguir entre a realidade dos fatos e os fatos que parecem reais.
A justiça eleitoral brasileira funciona como as antigas lojas de revelação de fotografias, que pediam prazo para transformar o filme captado em imagens impressas. Enquanto os tribunais analisam as denúncias  os governantes são empossados e assumem o poder com todas as garantias de foro privilegiado e imunidade que decorrem do exercício político no Brasil. Não existirão eleições limpas enquanto qualquer criminoso puder criar uma conta digital e operá-la sem ser identificado civilmente e responsabilizado pelos crimes que eventualmente cometer. 
Arquimedes de Castro – Jornalista